Artigos em Série: As Principais Alterações na Lei de Recuperação Judicial
Tema 1: Sistema de pré-insolvência e Stay Period
No último 24 de dezembro, foi sancionada a Lei nº 14.112 de 2020 que traz alterações substanciais à Lei nº 11.101/2005, a Lei de Recuperação Judicial e Falências (“LRJF”), a qual entrou em vigor no último sábado, dia 23.01.2021.
A mudança não foi pontual. Foram abordados diversos assuntos da lei de insolvência tanto em relação a prazos como em relação a questões de direito material.
Tendo em vista a relevância desse tema, sobretudo em tempos de crise econômica decorrente da pandemia, preparamos uma série de artigos que irão ser publicados semanalmente, explorando os principais aspectos trazidos pela Lei 14.112/2020.
Em que pese o projeto de lei para alteração da Lei 11.101/2005 tenha sido apresentado ainda em 2005, o Congresso Nacional conferiu a ele tramitação prioritária nos últimos meses, diante da severa crise econômica causada pela pandemia do COVID-19. Dessa forma, surgindo a confluência de fatores econômicos e jurídicos, o tema tomou relevância máxima no legislativo, que culminou na rápida sanção da Lei pelo Presidente da República.
O Presidente da República vetou 6 trechos do projeto de lei, a maioria relacionada à benefícios fiscais para empresas em recuperação judicial.
Uma das principais inovações da Lei 14.112/2020 foi adotar medidas voltadas a estimular a realização de negociações preventivas entre credores e devedores, antes que seja necessário o ajuizamento de pedido de recuperação judicial.
Esse é o tema desse primeiro artigo.
– Sistema de pré-insolvência: mediação-
A Lei introduz no sistema brasileiro um mecanismo de pré-insolvência, destinado a evitar que empresas tenham de fazer uso da recuperação judicial, criando estímulos para que os devedores busquem a renegociação coletiva de suas dívidas de forma predominantemente extrajudicial, com mínima intervenção judicial.
A medida é voltada, sobretudo, para as empresas que estejam em situação de endividamento menos complexa e representa mais um instrumento legal a dar suporte ao desenvolvimento de mecanismos de solução consensual dos conflitos. E desta feita no âmbito do direito da insolvência, cujo instituto da recuperação judicial decorre justamente do esforço negocial entre devedor e credores, com vistas à manutenção da empresa.
Nesse sentido, além do próprio Código de Processo Civil de 2015, podemos citar a Lei de Mediação nº 13.140, do mesmo ano; o Enunciado 45 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios promovida pelo Conselho de Justiça Federal[1], de 2016; a Recomendação nº 58[2], do Conselho Nacional de Justiça de 2019, e a recente Resolução nº 71[3] do Conselho Nacional de Justiça, de 05.08.2020, sem falar em diversas portarias de tribunais de justiça, como de São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná que já tratavam da implementação de centros voltados para mediação empresarial.
Dessa forma, a Lei confirma a tendência de utilização dessa relevante ferramenta para a pacificação dos conflitos e para o desafogamento do Judiciário.
São previstos mecanismos que criam estímulos e ambiente necessários à celebração de acordos prévios, com inspiração na Diretiva da União Europeia nº 1023/2019.
O primeiro deles se volta para a proteção do devedor contra execuções individuais, como condição para que se implemente um espaço adequado para realização dos acordos com os credores. É prevista, para tanto, a possibilidade de suspensão, perante o juízo competente, com natureza eventualmente preparatória de futura recuperação judicial, das execuções propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias (art. 20-B, § 1º). É a antecipação do stay period, sem a qual não seria possível neutralizar o credor hold out [4] e permitir as condições ideais para a realização da renegociação das dívidas em situação de pré-insolvência.
Ao longo desse período, o devedor deverá buscar junto a seus credores uma negociação coletiva, através do Centro Judiciário de Solução de conflitos e Cidadania (“CEJUSC”) do Tribunal competente.
De outro lado, igualmente busca-se proteger os interesses do credor que confiou na seriedade do devedor em cumprir o acordo negociado. Portanto, como forma de se evitar a utilização abusiva do stay period, a Lei determina que o prazo de proteção antecipado durante as negociações no CEJUSC será descontado do prazo de 180 (cento e oitenta) dias (art. 20-B, § 3º), previsto no artigo 6º, § 4º da LRJF.
Havendo sucesso na negociação coletiva conduzida perante o CEJUSC, “o acordo obtido por meio de conciliação ou de mediação deverá ser homologado pelo juiz competente”.
Não bastasse, a Lei protege o acordo feito pelos credores nessa fase de pré-insolvência, eliminando o risco de que o credor venha a ser prejudicado duas vezes, com a sucessiva inclusão de um crédito renegociado em processo de recuperação judicial, onde inevitavelmente sofreria novo haircut.
Nesse sentido, em caso de pedido de recuperação judicial, a Lei estabelece que, “requerida a recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 (trezentos e sessenta) dias contados do acordo firmado durante o período da conciliação ou de mediação pré-processual, o credor terá reconstituídos seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores eventualmente pagos e ressalvados os atos validamente praticados no âmbito dos procedimentos previstos nesta seção.” (art. 20-C, parágrafo único).
Verifica-se, assim, a adoção de um sistema híbrido, onde é prevista a intervenção judicial em apenas 2 momentos: na concessão da cautelar para suspensão das execuções e na homologação do acordo[5].
– Prorrogação do stay period-
De modo a acolher o entendimento jurisprudencial dominante, a Lei prevê expressamente a possibilidade de prorrogação do stay period de 180 dias, por igual período e uma única vez, desde que a impossibilidade de votação do plano não seja atribuída à Recuperanda (art. 6º, § 4º).
Além disso, o stay period poderá ser prorrogado uma segunda vez caso os credores apresentem plano alternativo de recuperação judicial (art. 6º, § 4º-A).
Trata-se de medida que, espera-se, evitará sucessivas prorrogações do período de blindagem das execuções contra o devedor, uma vez que a superação do referido lapso temporal poderá acarretar na apresentação de plano pelos credores. Assim, devedores serão estimulados a correr com as negociações para a apresentação de um plano de recuperação judicial que seja aprovado dentro do prazo de 360 dias.
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Esses eram os aspectos que gostaríamos de dividir sobre a Lei 14.112 no tocante ao sistema de pré-insolvência.
Na próxima semana abordaremos o plano de Recuperação Judicial pelos Credores e a consolidação processual e substancial.
[1] “A mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”
[2] “Recomenda aos magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, o uso da mediação”.
[3] Dispõe sobre a criação do Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania – Cejusc Empresarial e fomenta o uso de métodos adequados de tratamento de conflito de natureza empresarial.
[4] De acordo com a doutrina significa o comportamento oportunista de credores individualmente considerados “que consiste na resistência em aderir ao acordo a fim de obter vantagens extraordinárias em comparação com credores na mesma situação, uma vez que quanto maior o número de aderentes, mais importante se torna sua adesão em relação ao todo.” (Satiro, Francisco. “Autonomia dos credores na aprovação do plano de recuperação judicial” in CASTRO, Rodrigo Rocha Monteiro de; WARDE JLlNIOR, Walfrido Jorge; GUERREIRO, Carolina Dias Tavares (coord.). Direito Empresarial e Outros Estudos em Homenagem ao Professor Jose Alexandre Tavares Guerreiro. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 103.)
[5] O caráter ainda que parcialmente judicial do mecanismo de pré-insolvência é objeto de críticas de alguns juristas, como, por exemplo, do Dr. Marcelo Sacramone, juiz titular da 2ª Vara de Falências e Recuperação Judicial de São Paulo.