O futuro mais que presente dos contratos: Legal Design, Visual Law e Plain Language
Estamos vivenciando diversos impactos desta Era 4.0, também conhecida como a Quarta Revolução Industrial, com foco na melhoria da eficiência e produtividade dos processos, através de avançadas tecnologias, como inteligência artificial, nuvem e internet das coisas. O fenômeno vem ocasionando a constante mudança na forma de realização de negócios, não sendo diferente em nosso universo jurídico. O direito contratual, por sua vez, e neste mesmo contexto, vem sendo desafiado a se atualizar, com o uso de novas técnicas que possam garantir sua acessibilidade, objetividade e clareza.
Embora o Direito seja uma área tradicionalmente formal, que se utiliza de linguagem técnica e, muitas vezes, inacessível à grande parte da população, é importante que haja uma preocupação em garantir que instrumentos contratuais sejam eficientes na transmissão de informações e passíveis de compreensão pelo destinatário.
Com isso, longos “Termos e Condições” escritos em linguagem rebuscada e técnica, que frequentemente são ignorados pelo público-alvo, passam a dar lugar a instrumentos simples e claros, construídos de forma a facilitar a transmissão de informações, melhorar a experiência do usuário (também conhecida pela sigla UX, proveniente de ‘user experience’) e, consequentemente, democratizar documentos jurídicos.
“Legal Design”, “Visual Law” e “Plain Language” são conceitos que vêm sendo incorporados e desenvolvidos no universo do direito contratual nesta jornada em busca de sua atualização e efetividade.
O “Legal Design” é uma técnica multidisciplinar, em que são aplicadas estratégias de design e UX à construção jurídica, de forma que a elaboração de documentos jurídicos seja funcional e atrativa, levando em consideração seus objetivos e destinatários, e diminuindo a sua carga cognitiva, ou seja, o “esforço” que deverá ser feito pelo usuário para compreender o documento que lhe for apresentado.
O “Visual Law”, ou Direito Visual, em tradução livre, é um método em que se utilizam elementos visuais para tornar um documento mais compreensível. É importante ressaltar que este método não trata de mera “iconização” de documentos, ou seja, da inclusão de desenhos e imagens sem que haja real propósito e função para tanto, mas sim da utilização intencional de tais recursos para efetivamente simplificar a transmissão de informações.
O conceito de “Plain Language”, ou linguagem simples, consiste na utilização de linguagem informal e objetiva, eliminando ou diminuindo a utilização de termos complexos e rebuscados e jargões legais, evitando que o público sem experiência ou formação jurídica precise repetir a leitura ou buscar explicações adicionais para compreender o texto. O objetivo é garantir que o leitor compreenda o texto na primeira leitura, utilizando-se frases curtas, palavras comumente conhecidas pela população sem formação técnica em Direito, organização de frases em voz ativa e não passiva, dentre outras estratégias.
Um instrumento jurídico, quando elaborado utilizando os recursos acima, permite que o leitor tenha mais facilidade para analisar o documento e identificar informações importantes ao longo do texto, como por exemplo:
Dentre os benefícios atrelados à adoção do “Legal Design”, bem como “Visual Law” e “Plain Language”, para a construção dos documentos jurídicos, destaca-se a otimização da comunicação entre os interlocutores, evitando-se questionamentos e discussões prolongadas durante a negociação das cláusulas contratuais, resultando em maior eficiência e celeridade na conclusão dos negócios.
Ademais, um instrumento dotado de funcionalidade, que efetivamente cumpre seu papel, ensejará menor probabilidade de judicialização da relação contratual. Vale dizer, ainda, que, tratando-se de documentos de adesão, como os famosos, e já aqui mencionados, “Termos e Condições”, também será maior a confiança passada pela empresa ao seu público, ao demonstrar sua empatia e diligência no esforço de se apresentar um documento mais “amigável e conectado” com seu destinatário.
Diversas normas legais estabelecem o dever de transparência e de transmissão de informações claras e completas, que são pilares das técnicas aqui abordadas, tais como (i) o Código de Defesa do Consumidor, que, em seu artigo 4º prevê que as relações de consumo devem priorizar pela transparência nos seus negócios jurídicos, (ii) o Marco Civil da Internet, que em seu artigo 7º, determina que é um direito do usuário receber informações claras, completas e acessíveis, e (iii) a Lei Geral de Proteção de Dados, que, em seus artigos 6º, 9º e 14, parágrafo 6º, determina que os agentes de tratamento devem garantir a transparência, o acesso facilitado à informações, e a adequação das informações as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário.
Há ainda normas que fazem menção expressa à utilização dos recursos de Legal Design, tais como (i) a Instrução Normativa DREI Nº 55, de 2 de junho de 2021, da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, que, em seu artigo 1º, prevê: “Nos atos submetidos a registro poderão ser usados elementos gráficos, como imagens, fluxogramas e animações, dentre outros (técnicas de visual law), bem como timbres e marcas d’água.”, e (ii) a Resolução nº 347/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que em seu artigo 32, parágrafo único, estabelece: “Sempre que possível, dever-se-á utilizar recursos de visual law que tornem a linguagem de todos os documentos, dados estatísticos em ambiente digital, análise de dados e dos fluxos de trabalho mais claros, usuais e acessíveis.”. (grifos nossos)
A relevância destes conceitos vai além da esfera contratual, encontrando espaço também no âmbito judicial. O projeto Simplificar 5.0: Legal Design e Inteligência Artificial, criado pela juíza Aline Vieira Tomas, foi desenvolvido para aliar a evolução tecnológica do acesso à justiça, utilizando recursos de inteligência artificial para aplicar as práticas de Legal Design às decisões judiciais, “traduzindo” sentenças com resumos ilustrados e linguagem simples. Como resultado deste projeto, sua idealizadora afirma que: “Com o tempo, tivemos feedback positivo das partes e dos advogados. Após a implantação do Simplificar 5.0, o tempo médio de duração dos processos foi reduzido de 233 para 177 dias. Outro ganho do Projeto foi a redução da taxa de recorribilidade de 3,1% para 1,7% (-45,16%)”.
Uma pesquisa realizada pelo advogado Bernardo Azevedo em 2020 identificou que 86,92% dos juízes acreditam que elementos visuais facilitam a análise das petições, considerando que, dentre os maiores problemas identificados por tais profissionais neste tipo de documento, estão: “redação prolixa”, “número excessivo de páginas”, “má formatação” e “uso excessivo de destaques no texto”.
Na verdade, muito embora o constante desenvolvimento da tecnologia auxilie no emprego de recursos visuais e técnicas de Legal Design na redação de documentos jurídicos, esta prática vem sendo estudada há décadas. Uma pesquisa realizada em 1986 na Universidade de Minnesota (EUA) concluiu que apresentações com recursos visuais são até 43% mais persuasivas, enquanto uma estudo feito pela Rodhes University em 2005 identificou que documentos que usam elementos visuais são até 95% mais fáceis de serem compreendidos.
A propósito, os Estados Unidos já contam com inúmeras leis que versam sobre a obrigatoriedade do uso do “Plain Language” há décadas, como a US Pension Reform Act, de 1974, que determinou que os materiais sobre pensões deveriam ser escritos em linguagem simplificada, algumas leis estaduais sobre contratos com consumidores com a utilização da linguagem simples, como a Pennsylvania Plain Language Consumer Contract Act, de 1993, e com destaque para a Plain Language Act de 2010, lei federal que estabeleceu os requisitos para o uso da linguagem clara na comunicação governamental.
Diante do exposto, fica claro que o uso de técnicas de Legal Design, Visual Law e Plain Language refletem a preocupação de tornar o Direito cada vez mais acessível e inclusivo, facilitando a comunicação e tornando documentos jurídicos mais dinâmicos, bem como que a necessidade de utilização destes recursos não é mais um futuro distante, mas sim uma realidade presente no dia a dia das relações jurídicas.
Deste modo, é de grande importância que os profissionais do Direito enxerguem esta realidade como uma oportunidade de desenvolvimento da área e procurem incorporar tais recursos ao seu portfólio, agregando ainda mais valor ao seu trabalho e contribuindo para integrar o Direito à Era 4.0.
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Fontes:
- AZEVEDO, Bernardo. Elementos visuais em petições na visão da magistratura federal. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/visulaw-pesquisa.pdf.
- DARCI, Marconi. Visual law e legal design provocam revolução no Poder Judiciário. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-jan-03/darci-visual-law-legal-design-provocam-revolucao-judiciario.
- GONÇALVES, Alice Calixto. Afinal, por que falar sobre Legal Design?. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/350862/afinal-por-que-falar-sobre-legal-design.
- IBRAHIM, Gabriela. Legal design: o futuro do direito. Disponível em https://olhardigital.com.br/2023/01/03/colunistas/legal-design-o-futuro-do-direito/.
- Projeto usa legal design e IA para facilitar entendimento de decisões judiciais. Conselho Nacional de Justiça. 2023. Disponível em https://tecnoblog.net/responde/referencia-site-abnt-artigos/.
- VILLANI, Mônica. LGPD, legal design e visual law. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/364952/lgpd-legal-design-e-visual-law.