POSSIBILIDADE DE EXPANDIR O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA PARA ALCANÇAR SÓCIO OCULTO
A Terceira Turma do C. Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), por unanimidade e no bojo do RESP 2.055.325/MG (2023/0057232-4), reconheceu a possibilidade de terceiro indicado como sócio oculto vir a responder patrimonialmente por débito da “sua” sociedade, quando presentes os requisitos previstos na legislação brasileira[1].
No caso em questão, um credor pretendeu a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa individual, com a finalidade de estender a responsabilidade pelo pagamento da dívida executada, que possuía a condição de sócio de fato (ou oculto) da empresa individual executada.
Em primeiro grau, tal pretensão foi rechaçada ao argumento de que o reconhecimento da sociedade de fato entre o terceiro e a empresária individual executada demandaria uma ação declaratória autônoma, conforme lei processual[2], sob pena de descaracterização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica[3].
Em face desta decisão, o credor interpôs Agravo de Instrumento, improvido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (“TJMG”), seguido de recurso especial, que foi provido pelo C. STJ em julgamento que destacou, dentre outros pontos, que a pretensão de expansão da responsabilidade patrimonial a sócio oculto está adequada aos objetivos do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.
A Min. Nancy Andrighi, relatora de dito acórdão, destacou em seu voto a necessidade de ser comprovada a prática, por terceiro, de atos fraudulentos que frustraram a pretensão executiva para que, então, se confirme o vínculo pessoal com o cumprimento da obrigação, admitindo-se a desconsideração da personalidade jurídica. O contraditório e ampla defesa hão de ser- sempre- assegurados aos terceiros (autor do ato fraudulento) cujo patrimônio se pretende atingir.
O min. Ricardo Villas Bôas Cueva, no seu voto, complementou o entendimento da Min. Relatora, destacando que, do reconhecimento incidental (i) do exercício de funções de sócio por terceiro que não integra o quadro societário, e (ii) da prática do ato fraudulento, decorre a atribuição da responsabilidade patrimonial pela obrigação inadimplida pela sociedade cuja personalidade será desconsiderada, viabilizando a extensão da legitimidade executiva do terceiro.
Ambos os Ministros ponderaram que a situação narrada se refere à desconsideração da personalidade jurídica expansiva, admitida pela doutrina e que permite a ampla dilação probatória, pois se trata de incidente.
O Min. Humberto Martins, em seu voto, reforçou o entendimento da Ministra Relatora, enfatizando que, justamente em razão da ampla dilação probatória, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, que podem ser plenamente exercidos no incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que há segurança jurídica para direcionar a responsabilidade patrimonial ao terceiro que figura como sócio oculto da sociedade empresária.
Entendimento parecido com este já tinha sido aventado em outros julgados do C. STJ, em que foi admitida desconsideração da personalidade jurídica para estender a responsabilidade patrimonial ao sócio controlador[4].
Conclui-se, portanto, que a jurisprudência, em especial a formada pelo C. STJ, tem considerado o incidente da desconsideração da personalidade jurídica um importante aliado do credor para satisfação de seu crédito, com a finalidade precípua de coibir a prática de atos fraudulentos não apenas pelo devedor, mas também por terceiros que figuram como sócios ocultos da sociedade empresária devedora.
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Andréa Pitthan Françolin, sócia responsável pela área de contencioso cível e arbitragem do Iwrcf (afrancolin@iwrcf.com.br – (11) 4550-5005)
Rubens Sampaio Carnelos, advogado sênior da área de contencioso cível e arbitragem do Iwrcf (rcarnelos@iwrcf.com.br – (11) 4550-5022)
Samira Pompeo da Silva Costa, advogada plena da área de contencioso cível e arbitragem do Iwrcf (scosta@iwrcf.com.br – (11) 4550-5000)
[1] Art. 50 do Código Civil: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”.
[2] Art. 20 do Código de Processo Civil: ”É admissível a ação meramente declaratória, ainda que tenha ocorrido a violação do direito”.
[3] E-STJ, pgs. 420/420 – RESP 2.055.325/MG.
[4] Em julgado também da lavra da Min. Nancy Andrighi, reconheceu-se que “considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/ 02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma” (STJ, 3ª T., REsp 948.117-MS, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 22.6.2010).