Licitações: Uma breve análise do Decreto nº 11.430/2023
A regulamentação dos arts. 25, §9º, I e 60, III da Lei nº 14.133/2021: Vagas destinadas a mulheres vítimas de violência doméstica e ações de equidade.
Em 30.03.2023, entrou em vigor o Decreto nº 11.430/2023, que, conforme seu art. 1º, versa sobre “a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e sobre a utilização do desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.”
Referido Decreto regulamenta os arts. 25, §9º, I e 60, III da Lei nº 14.133/2021 que dispõem, respectivamente, sobre a possibilidade do edital “exigir que percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por: I – mulheres vítimas de violência doméstica;” e define como critérios de desempate para proposta, dentre outros, o –“desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, conforme regulamento;”
Assim, como se vê, o Decreto em análise versa sobre a regulamentação de 2 (duas) questões distintas que, portanto, serão abordadas separadamente neste artigo: (i) percentual mínimo para emprego de mão de obra de mulheres vítimas de violência doméstica; e (ii) ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações.
- Percentual Mínimo
O art. 3º do Decreto nº 11.430/2023 estabelece que: “Os editais de licitação e os avisos de contratação direta para a contratação de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, nos termos do disposto no inciso XVI do caput do art. 6º da Lei nº 14.133, de 2021, preverão o emprego de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica, em percentual mínimo de oito por cento das vagas.”
Já o art. 6º, XVI, da Lei nº 14.133/2021, ao qual o art. 3º do Decreto faz remissão, define como serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra os seguintes: “aqueles cujo modelo de execução contratual exige, entre outros requisitos, que: a) os empregados do contratado fiquem à disposição nas dependências do contratante para a prestação dos serviços; b) o contratado não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; c) o contratado possibilite a fiscalização pelo contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos;”
É dizer, nesse modelo de contratação, “o contratado disponibiliza servidores de modo exclusivo para a execução do contrato, cujos serviços devem ser executados em dependências físicas da contratante”[1], como, por exemplo, serviços de limpeza, conservação, higienização, vigilância, dentre outros.
O que o citado Decreto visa regular no seu art. 3º é a definição de percentuais mínimos (e derivadas condições para a sua observância) para emprego de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica para o caso de licitação (independentemente das modalidades previstas no art. 28 da Lei nº 14.133/2021) em que haja o modelo de contratação para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.
Atendidas essas circunstâncias, o ente público é obrigado a incluir nos editais de licitação e avisos de contratação a exigência de emprego de no mínimo 8% das vagas destinadas a mulheres vítimas de violência doméstica, sendo certo que tal exigência se aplica apenas a (i) “contratos com quantitativos mínimos de vinte e cinco colaboradores.” (art. 3º, §1º, do Decreto nº 11.430/2023); e (ii) que referido percentual mínimo “deverá ser mantido durante toda a execução contratual” (art. 3º, §2º, do Decreto nº 11.430/2023).
- Critério de Desempate
Já no que diz respeito ao critério de desempate nos processos licitatórios, o art. 5º do Decreto 11.430/2023 estabelece que “O desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho será critério de desempate em processos licitatórios, nos termos do disposto no inciso III do caput do art. 60 da Lei nº 14.133, de 2021.”
O legislador também definiu quais ações (e em que ordem) serão consideradas como desenvolvedoras de equidade (art. 5º, §1º, incisos I a VI), a saber: “I – medidas de inserção, de participação e de ascensão profissional igualitária entre mulheres e homens, incluída a proporção de mulheres em cargos de direção do licitante; II – ações de promoção da igualdade de oportunidades e de tratamento entre mulheres e homens em matéria de emprego e ocupação; III – igualdade de remuneração e paridade salarial entre mulheres e homens; IV – práticas de prevenção e de enfrentamento do assédio moral e sexual; V – programas destinados à equidade de gênero e de raça; e VI – ações em saúde e segurança do trabalho que considerem as diferenças entre os gêneros.”
Tais dispositivos denotam que, em processos licitatórios, ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho sempre serão consideradas como critério de desempate, independentemente do “modelo de contratação” e/ou da “modalidade de licitação”.
Dito isso, destaca-se que referido Decreto é federal, o que significa que os Estados, o Distrito Federal e os Município não têm de obrigatoriamente observá-lo, ainda que possam fazê-lo, conforme art. 187 da Lei nº 14.133/2021.
Ainda, deve se ter em mente que referido Decreto regulamenta recentes previsões da Lei de Licitações e, justamente pela novidade do tema, não se sabe ao certo como essa exigência e critério de desempate serão aplicados e fiscalizados na prática, o que certamente demandará a edição de normas complementares, conforme, inclusive, prevê o próprio art. 8º do Decreto nº 11.430/2023.
* * *
Juan Rodrigo Longo Ferreira Gómez, coordenador da área de Contencioso Cível e Arbitragem do Iwrcf (jgomez@iwrcf.com.br – (11) 4550-5047)
[1] Leandro Moraes Leardini- Lei de Licitações e Contratos Administrativos Comentada : Lei 14.133/21 [livro eletrônico] / coordenadores Augusto Neves Dal Pozzo, Maurício Zockun, Márcio Cammarosano. — 1. ed. — São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.