Patentes: E agora, o que muda?
Em maio deste ano ocorreu o julgamento da maior ação do Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo a indústria de medicamentos e com toda a certeza a decisão firmada por maioria dos Ministros causou bastante “rebuliço”.
O caso julgado trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 5529) ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) objetivando a declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279/1996 (“Lei da Propriedade Industrial ou LPI”), o qual diz respeito ao prazo de vigência de uma patente.
Antes de tudo, insta esclarecer que patente é um conceito jurídico e comercial que assegura que o criador de um novo produto, um novo equipamento ou descoberta científica tenha direitos jurídicos e comerciais sobre sua invenção, durante determinado período.
Assim, há três tipos de patentes:
- Patente de Invenção: se refere aos produtos que atendam aos requisitos de atividade inventiva, novidade e aplicação industrial.
- Patente de Modelo de Utilidade: se refere ao objeto, ou parte deste, que seja suscetível de aplicação industrial, apresentando nova forma ou disposição, resultando em melhoria funcional, e envolvendo ato inventivo.
- Certificado de Adição de Invenção: é acessório à patente, e se refere ao aperfeiçoamento e desenvolvimento introduzido ao objeto da invenção, mesmo que destituído de atividade inventiva.
Ao patentear sua criação, o inventor realiza uma troca com o Estado, isto é, ele apresenta uma invenção útil à sociedade, como por exemplo, medicamentos, maquinários, objetos, enquanto o Estado lhe recompensa com um direito de exclusividade limitado no tempo, conforme disposto no artigo 40 da LPI.
O referido dispositivo determina que o prazo de vigência para patente de invenção e certificado de adição de invenção é de 20 (vinte) anos e para modelo de utilidade é de 15 (quinze) anos contados da data de depósito, enquanto o parágrafo único deste mesmo dispositivo afirma que o prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade.
Para um melhor entendimento, vamos observar um caso hipotético: supondo que um pedido de patente de inovação tenha sido depositado em 1º de janeiro de 2005, de acordo com o caput do artigo 40 da LPI, tal patente já passaria a ter proteção de 20 anos a partir do depósito. Sendo assim, o marco inicial para a contagem deste prazo seria o ano de 2005, e se encerraria em 2025. Todavia, considerando que, apenas em 1º de fevereiro de 2021 o pedido foi concedido pelo INPI, a teor do parágrafo único do artigo 40 da LPI, a patente teria vigência até 2031.
Sendo assim, no exemplo hipotético acima, a patente de invenção teria tido proteção durante 26 anos.
A PGR considerou que tal artigo incentiva o prolongamento exacerbado do exame de pedido de patente. Ainda, há quem defenda a necessidade da quebra imediata de patentes de produtos farmacêuticos e materiais de saúde, considerando o atual cenário pandêmico e que isso seria direito da sociedade, bem como que a extensão do prazo de patentes é indevida e causa impacto ao Sistema Único de Saúde (SUS), que tem 20% (vinte por cento) de suas despesas destinado para compras de medicamentos.
Por outro lado, muitos defenderam a constitucionalidade da norma e que a revogação do dispositivo causaria insegurança jurídica, considerando possíveis efeitos retroativos, visto que tal questão iria atingir toda a indústria e consequentemente o desenvolvimento do país.
Apesar dos muitos argumentos em favor da constitucionalidade, o Ministro Dias Toffoli, relator do caso, no começo do julgamento já havia proferido decisão liminar suspendendo a prorrogação de patentes para produtos farmacêuticos, equipamentos e materiais de saúde diante da pandemia do COVID-19.
Ao final do julgamento, o STF decidiu definitivamente pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI, por 8 (oito) votos a 3 (três), votando a favor os Ministros Dias Toffoli, Kássio Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowki, Gilmar Mendes e Luiz Fux e contra os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber e Marco Aurélio.
Por fim, obviamente, os efeitos da decisão foram modulados, foi conferido a ela efeitos ex nunc (não retroativos), ficando ressalvadas da modulação:
“(i) as ações judiciais propostas até o dia 7 de abril de 2021, inclusive (data da concessão parcial da medida cautelar no presente processo) e;
(ii) as patentes que tenham sido concedidas com extensão de prazo relacionadas a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde, operando-se, em ambas as situações, o efeito ex tunc, o que resultará na perda das extensões de prazo concedidas com base no parágrafo único do art. 40 da LPI, respeitado o prazo de vigência da patente estabelecido no caput do art. 40 da Lei 9.279/1996 e resguardados eventuais efeitos concretos já produzidos em decorrência da extensão de prazo das referidas patentes.”
Segundo Toffoli, tal modulação se fez necessária visando o bem maior da sociedade:
“Percebam que se essa Corte vir a modular (decidir que não retroage) os efeitos da decisão em relação às patentes de medicamentos e produtos de saúde, estaremos postergando por vários anos os efeitos práticos dessa decisão no setor de saúde e, consequentemente, garantindo a continuidade das enormes distorções geradas pela norma nessa seara, e tudo isso em plena crise sanitária de saúde. Nesse quadro, entendo que, na situação específica das patentes de uso em saúde, o interesse social milita em favor da plena e imediata superação da norma questionada”.
Sendo assim, nos casos de patentes discutidas em ações judiciais cujo objeto é a inconstitucionalidade do artigo 40, parágrafo único, da LPI e patentes prolongadas no setor farmacêutico, a decisão da Corte irá retroagir. Já nos demais setores, as patentes esticadas não serão atingidas.
De todo modo, para as novas patentes, o prazo de proteção ficará limitado a 20 anos contados da data do depósito do pedido, independentemente do tempo que o INPI leve para a sua concessão.
Segundo o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), existem 30.648 (trinta mil, seiscentos e quarenta e oito) patentes em vigor no Brasil com prazo estendido, sendo que dentre essas, 3.435 (três mil, quatrocentos e trinta e cinco) patentes são relacionadas à área farmacêutica.
E agora, não há para onde correr. É aceitar a decisão e verificar se a sua patente entra no efeito ex tunc – retroagindo – ou ex nunc – se mantendo.