Nova Lei de Licitações: o diálogo competitivo e o seguro garantia
Na semana passada, abordamos alguns aspectos da Lei 14.133/2021, apontando as impressões gerais sobre a norma em comparação com a Lei 8.666/93, que permanecerá em vigor até 1 de abril de 2023 (com exceção dos arts. 89 a 108), bem como sobre os projetos em contratação de obras e serviços de engenharia; a matriz de risco e a contratação semi-integrada e integrada.
Nesse artigo, daremos seguimento à análise da nova lei geral de licitações, abordando duas inovações em relação ao regime da Lei 8.666/93: o diálogo competitivo e o seguro garantia.
Diálogo Competitivo
A nova Lei inovou ao introduzir o diálogo competitivo como modalidade licitatória. A ideia do legislador é que, por meio do diálogo competitivo, a Administração Pública e os operadores econômicos construam, no curso do certame, soluções customizadas para atender a objetos complexos.
As hipóteses de cabimento do diálogo competitivo estão previstas no art. 32 da Lei, a saber:
- Contratação de objeto que envolva inovação tecnológica ou técnica; órgão ou entidade que não possa ter suas necessidades satisfeitas sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; especificações técnicas que não possam ser definidas com precisão suficiente pela Administração Pública;
- a necessidade de definir/identificar os meios e as alterativas que possam satisfazer a necessidade da solução técnica mais adequada; os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida; e a estrutura jurídica ou financeira do contrato; e
- considere que os modos de disputa aberto e fechado não permitem apreciação adequada das variações entre as propostas.
Ressalta-se que o diálogo competitivo não predomina em todas as fases da licitação. Segundo Mark Kirby, referida modalidade estaria presente na fase (b) abaixo:
“a) uma primeira fase, aberta, de qualificação (apreciação da capacidade técnica e financeira) dos candidatos que pretendem apresentar soluções ao diálogo; b) uma segunda fase dinâmica em que o júri desenvolve com os candidatos qualificados e que apresentaram soluções que não foram liminarmente excluídas, um diálogo com vistas a discutir os aspectos previstos ou omitidos nas soluções apresentadas e relativos à execução do contrato a celebrar, que permitam a elaboração de um caderno de encargos ; c) uma terceira fase, fechada e rígida, em que os candidatos apresentam soluções admitidas ao diálogo (e apenas estes) são convidados a apresentar propostas que respondam às exigências do caderno de encargos elaborado pela entidade adjudicante a partir da solução (única) escolhida por ter sido considerada apta a satisfazer as necessidades de entidade adjudicante, sendo que tais propostas, uma vez apresentadas, não mais podem ser alteradas, em obediência ao princípio da estabilidade dos elementos essenciais do procedimento, que, nesta fase, opera toda a linha”.[1]
A introdução do diálogo competitivo é um reconhecimento de que, em determinadas situações, a comunicação da Administração Pública em conjunto com os operadores econômicos é uma maneira mais eficiente em se atender ao interesse público.
Seguro Garantia
Outra importante novidade incluída na Lei 14.133/21 é a possibilidade de se exigir em contratações de obras, serviços e fornecimentos, a prestação de garantia na modalidade seguro-garantia e a obrigação da seguradora, em caso de inadimplemento, assumir a execução do contrato (“performance bond”).
Reflexões sobre a “permonce bond” são necessárias. Veja-se, ilustrativamente, alguns pontos:
- A seguradora figurará como interveniente anuente no contrato e aditivos, bem como poderá acompanhar toda a execução da obra;
- Por consequência, se tornará a maior fiscalizadora do contrato, pois é quem terá maior interesse para que não haja inadimplemento contratual, uma vez que terá que arcar com os custos de finalização da obra;
- Em contrapartida, referida garantia aumentará o custo da obra, na medida em que as seguradoras exigirão dos tomadores do seguro a outorga de contragarantia;
- O oferecimento dessas contragarantias tornará o principal obstáculo para a participação de novas empresas nas licitações de grandes projetos de infraestrutura, pois os tomadores do seguro certamente deverão ter um elevado nível patrimonial.
- Poderá restringir a competição.
- Nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto, a lei estabelece um limite máximo de 30% do valor inicial do contrato.
Como se vê, esses dois artigos publicados em série presente trabalho tiveram por objetivo ilustrar algumas das novidades inseridas na Lei 14.133/21 e muitas delas, apesar de já conhecidas por estarem previstas em outros diplomas legais, são inovadoras no tocante à licitações e contratos regidos pela Lei nº 14.133/2021.
BIBLIOGRAFIA
GARCIA, Flávio Amaral; MOREIRA, Egon Bockman. A futura nova lei de licitações brasileira: seus principais desafios analisados individualmente. Revista de Direito Público e Economia – RDPE, Belo Horizonte, ano 18, n 69, P. 39-73, jan/mar 2020.
RIBEIRO, Maurício Portugal. A proposta de usar “performance bond” como critério de seleção em licitações de obras públicas. Disponível em: https://portugalribeiro.com.br/a-proposta-de-usar-performance-bond-como-criterio-de-selecao-em-licitacoes-de-obras-publicas/, último acesso em 24.03.2021.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A nova Lei de Licitações: um museu de novidades? Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/colunistas/rafael-carvalho-rezende-oliveira/a-nova-lei-de-licitacoes-um-museu-de-novidades, último acesso em 24.03.2021.
KIRBY, Mark. O Diálogo Concorrencial. I. GONÇALVES, Pedro Costa [Org.]. Estudos de Contratação Pública. Coimbra: Coimbra. Ed. 2008, v.1, p. 278-279.
[1] KIRBY, Mark. O Diálogo Concorrencial. I. GONÇALVES, Pedro Costa [Org.]. Estudos de Contratação Pública. Coimbra: Coimbra. Ed. 2008, v.1, p. 278-279)